A Casa do Impacto esteve à conversa com Francisca Canais e Rita Maçorano, co-Founders da Nevaro, o projeto vencedor da edição deste ano do Santa Casa Challenge.

A Nevaro é uma startup portuguesa, sediada em Lisboa, que acredita que apenas podemos melhorar o que conseguimos medir! Aplicando este mote à Saúde Mental, tornando-a tangível através de uma solução inovadora baseada na ciência, propõem-se a compreender o cérebro e a conectar as suas partes por meio de biomarcadores fisiológicos e comportamentais e de experiências gamificadas.

Sabias que, de acordo com “Custo do Stresse e dos Problemas de Saúde Psicológica no Trabalho em Portugal”, um estudo recente executado pela Ordem dos Psicólogos, “a perda de produtividade devida ao absentismo e ao presentismo causados por stress e problemas de saúde psicológica pode custar às empresas portuguesas até €3,2 mil milhões por ano”, o que se traduz numa perda de produtividade que pode custar às empresas portuguesas até 0,9% do seu volume de negócios. Contudo, a prevenção e a promoção da Saúde Psicológica e do bem-estar, no setor empresarial em Portugal, pode “reduzir as perdas de produtividade pelo menos em 30% e, portanto, resultar numa poupança de cerca de mil milhões de euros por ano”.

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Em 2020 lançaram a app Holi by Nevaro, uma aplicação móvel que permite prevenir, enfrentar e gerir a saúde mental dos colaboradores de organizações e empresas. Foi com esta solução que se candidataram ao Santa Casa Challenge, concurso que premeia soluções tecnológicas inovadoras que originem dispositivos, aplicativos, e conteúdos digitais, tecnologicamente exequíveis. “Como podemos promover uma saúde de qualidade, com especial atenção aos problemas da saúde mental e às necessidades das pessoas em situação de vulnerabilidade?” era o desafio da edição de 2021.

 

Como surgiu a ideia de criação da Nevaro?

A Nevaro surgiu já há cerca de 3 anos, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Nesta, a Francisca e a Rita estavam a frequentar o Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica e Biofísica, onde tiveram uma cadeira de Neurociências, leccionada pelo Hugo Ferreira, coordenador do mestrado e docente desta cadeira. O projeto inicial começou então nesta cadeira, onde os alunos foram convidados a realizar um género de hackhaton de ideias que recorressem a tecnologia ligada às neurociências para responder a algum desafio de saúde da sociedade atual.

Foi nessa altura que surgiu a ideia de aliar a potencialidade das atuais tecnologias de medição dos nossos sinais cerebrais, e também cardíacos, à gamificação, com o intuito de contribuir para a melhoria da terapêutica de doenças neuropsiquiátricas.

As doenças neuropsiquiátricas foram o alvo escolhido, visto que o atual paradigma de tratamento e acompanhamento destas doenças ainda peca bastante pela falta de métricas objetivas de quantificação do progresso dos pacientes, sendo uma área ainda bastante tecnologicamente atrasada. Para além disso, esta é uma área fortemente afetada por desafios societais como o estigma e a discriminação, o que leva a que uma grande parte das pessoas que possuem alguma condição relacionada com saúde mental não procurem ajuda médica especializada, quando o deveriam fazer.

O projeto inicial concretizou-se assim no desenvolvimento de uma metodologia inovadora de medição do progresso dos pacientes recorrendo à aquisição dos seus sinais fisiológicos e padrões comportamentais durante a terapêutica, e ainda para controlo automático da mesma, personalizando-a a cada paciente (uma técnica designada por biofeedback). Desenvolvemos especificamente um protótipo de um jogo de Realidade Virtual para complemento ao tratamento de fobias, nomeadamente fobia de alturas, em que a intensidade da exposição fóbica em cada sessão é automaticamente controlada pelo nível de ansiedade da pessoa, recorrendo a uma headband que mede a cada instante os sinais cerebrais da pessoa.

Com o avançar do projeto, e já no âmbito das teses de mestrado da Francisca e da Rita, este e outros protótipos foram depois testados em ambiente clínico, já com pacientes fóbicos, no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja. A nossa solução inovadora provou ter contribuído, em complemento à psicologia e psicoterapia convencionais, para uma diminuição dos sintomas fóbicos e ansiosos cinco vezes mais rápida do que apenas recorrendo aos métodos convencionais.

Em paralelo, o bichinho do empreendedorismo já estava a fervilhar dentro de nós, alimentado em grande parte e desde muito cedo pelo TecLabs, o centro de inovação da Faculdade de Ciências, onde ganhámos o nosso primeiro prémio monetário num concurso de ideias de negócio. Avançámos assim com as nossas atividades de desenvolvimento de produto e da tecnologia, explorando a nossa vertente comercial, sendo que criámos oficialmente a empresa no ano passado, em plena pandemia. Atualmente, a nossa empresa está estrategicamente sediada na UA Incubator, a incubadora de empresas da Universidade de Aveiro, permitindo-nos agilizar o contacto com a nossa vasta rede de parceiros, de Norte a Sul de Portugal.

 

O vosso projeto nasceu de um desafio universitário. Consideram que o sistema de ensino português atual oferece aos jovens estudantes as ferramentas necessárias para vingar no universo das startups?

Este é um tópico bastante complexo ainda, do nosso ponto de vista. Por um lado, os percursos académicos são ainda muito vocacionados para as saídas profissionais mais clássicas. Especialmente no nosso caso, Engenharia Biomédica, a licenciatura e mestrado não nos preparam devidamente para o universo do empreendedorismo. Existem cadeiras introdutórias sobre economia e empreendedorismo, no entanto o universo académico é ainda muito limitativo nesse sentido: há muitas ideias, e muito talento, mas falta estimular o “sair da caixa” e o “fazer acontecer”. No nosso caso, tudo o que sabemos hoje sobre startups aprendemos fora da universidade.

Por outro lado, já há muita coisa boa a acontecer! No nosso caso, tivemos imensa sorte, porque a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa conta com o apoio do TecLabs – o centro de inovação e incubação de empresas, que é responsável pela transferência de tecnologia da faculdade. Esta foi a casa onde nasceu a Nevaro, e onde demos os nossos primeiros passos neste mundo. Existem também já cada vez mais iniciativas a serem dinamizadas nas universidades, como hackathons e workshops (agora com o digital ainda mais!) – e isso é essencial para estimular o empreendedorismo e capacitar os estudantes universitários desde cedo.

 

Como tiveram conhecimento do Santa Casa Challenge? O que é que vos impulsionou a participar?

Já seguíamos de perto o trabalho e iniciativas da Casa do Impacto, pelo que tivemos conhecimento do Santa Casa Challenge através das vossas redes sociais. O desafio era perfeitamente alinhado com o que fazemos – o impacto na área da saúde, especificamente da saúde mental -, e para além disso era uma excelente oportunidade para entrarmos na rede da Casa do Impacto, que sempre nos fez sentido dado o ecossistema na área do impacto social. Assim sendo, a nossa candidatura foi mesmo um “no-brainer”! 🙂

 

O que é, como funciona e a quem se dirige a app Holi?

A app Holi surgiu devido à pandemia, visto que nos apercebemos das elevadas taxas de burnout impulsionadas pela mudança de paradigma, pelo teletrabalho, e pela falta de soluções para gestão da saúde mental, e da linha entre a vida pessoal e a profissional.

O Holi é assim uma app móvel – brevemente disponível na App Store e na Google Play – que possibilita a gestão preventiva da saúde mental e do bem-estar, através de soluções gamificadas clinicamente validadas, alicerçadas na psicologia positiva e numa abordagem holística da saúde. Possui, entre outras, estratégias de journaling, mood tracking, relaxamento, energização, desenvolvimento pessoal, e colaboração social. A app recorre de forma inovadora aos sensores do telemóvel, assim como a um modelo de avaliação holística do bem-estar e nível de burnout da pessoa, para quantificar e personalizar o progresso e caminho da pessoa na gestão da saúde mental.

Partindo da nossa própria realidade enquanto empresa e das necessidades que sentimos enquanto indivíduos, de momento o nosso foco é empoderar outras empresas e os seus colaboradores, fornecendo aos Recursos Humanos esta ferramenta de gestão atrativa de engaging da sua saúde mental e bem-estar, promovendo a produtividade e a cultura da empresa.

A app Holi é bastante vantajosa para qualquer empresa que valorize o bem-estar dos seus colaboradores, sendo que para empresas grandes a app permite ainda visualizar o panorama geral da saúde mental e burnout dos seus colaboradores, o que é especialmente útil para por exemplo adotar medidas para melhorar certos aspetos nos departamentos com pior bem-estar.

Mulher com as mãos entrelaçadas

“A pandemia veio gerar um elevado aumento das taxas de condições ou distúrbios de saúde mental.”

Porque surgiu esta solução?

Globalmente, temos assistido a uma promoção das soluções digitais para saúde devido à pandemia, dado que estas soluções permitem a manutenção ou terapia das pessoas nas suas casas, não descurando a ligação com os clínicos. E para além disso, a pandemia veio gerar um elevado aumento das taxas de condições ou distúrbios de saúde mental: 23% da população portuguesa está a sofrer com algum tipo de perturbação da saúde mental, sendo a ansiedade a perturbação que apresenta a prevalência mais elevada (16,5%), seguido da depressão (7,9%).

Esta alteração de paradigma motivou ainda uma mudança interna no nosso roadmap, sendo que nos apercebemos de que as atuais necessidades na área da saúde mental passam também muito pela sua prevenção e gestão, e não apenas pela vertente terapêutica em setting clínico. A par das elevadas taxas de burnout, especialmente em colaboradores de empresas, a necessidade de ferramentas preventivas começou a ser cada vez mais notória. Foi por esta razão que adaptámos as nossas soluções, e desenvolvemos a app móvel Holi para gestão da saúde mental alicerçada numa abordagem holística da saúde, e recorrendo à nossa base de gamificação e quantificação.

 

Em que fase se encontra agora?

A app está de momento em fase de piloto em várias empresas e organizações, sendo que estamos a disponibilizar a solução a empresas por um período de teste. Vamos lançar o Holi oficialmente no mercado no próximo dia 22 de Julho – o dia mundial do cérebro!

 

Como empreendedoras fazem parte de um grupo bastante afetado pelo burnout. De que formas mantêm a vossa saúde mental equilibrada?

Sim, os empreendedores sofrem do mal da inconformidade, o que nos impede de parar durante muito tempo – para o bem e para o mal 🙂 No nosso caso sofremos um pouco do mesmo mal que os médicos sofrem: a nossa missão é ajudar a cuidar da saúde e bem-estar dos outros, mas para isso torna-se desafiante cuidar da nossa.

O que tentamos fazer é implementar estratégias – individuais e enquanto equipa – que equilibram esta “montanha-russa”. Por exemplo, em equipa gostamos muito de exteriorizar e partilhar tudo o que de bom e mau se passa connosco, tanto nas nossas vidas pessoais como profissionais. Outra estratégia que estamos a implementar é o regime híbrido de trabalho, o que nos permite ajustarmo-nos às preferências e estilos de vida de cada um de nós da melhor forma. Algo que também fazemos muito são “trabalhos de campo” – desde eventos a exposições – tentamos sempre juntar toda a equipa para um pouco de convívio e contacto com os nossos clientes e utilizadores, assim como com o ecossistema empreendedor.

Ao nível mais pessoal, temos a sorte de poder usar em primeira mão as estratégias do Holi: todos temos as nossas estratégias de eleição, até porque é algo que depende muito da personalidade de cada um, mas no geral somos fãs de tudo o que envolve aliar a ciência e a tecnologia em prol da saúde mental, assim como de estratégias que trabalham a saúde mental de forma holística – desde desenvolvimento pessoal, a dança, artes, música, exercício, alimentação saudável, e outras. Acreditamos que a nossa saúde mental é algo que deve ser encarado de forma simples e alinhada com cada pessoa.

 

Ao vencerem o Santa Casa Challenge ganharam o prémio de 15.000 euros, 1 Alpha Pack para a Web Summit e ainda 1 ano de incubação na Casa do Impacto. Como é que esses 3 prémios vos ajudarão a escalar?

Sim, foi ótimo! O Santa Casa Challenge foi mesmo um dos reconhecimentos que mais nos trouxe: o prémio monetário foi ótimo para nos ajudar a suportar as despesas de marketing nesta fase de preparação para o lançamento da app Holi, assim como para apostar na melhoria da sua interface e design UI/UX; o Alpha Pack para a Web Summit vai ser excelente para alavancar as nossas primeiras vendas oficiais; e a incubação na Casa do Impacto vai permitir-nos entrar no ecossistema de empreendedorismo de impacto português, o que faz todo o sentido nesta fase. Além disso, trouxe-nos ainda uma exposição mediática que nos está a abrir muitas portas!

 

De que forma o vosso projeto contribui para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU?

A nossa missão é precisamente contribuir para a melhoria do atual paradigma do tratamento e manutenção da saúde mental, alinhado com o ODS 3 (Saúde e bem-estar), utilizando o nosso background científico para alavancar a revolução tecnológica nesta área e para desmistificar esta ainda tão desconhecida e negligenciada parte da nossa saúde. Efetivamente, o nosso cérebro é que comanda todo o nosso corpo, e portanto a nossa saúde e bem-estar mental é absolutamente essencial para a nossa saúde geral, física e para a nossa felicidade. Pretendemos assim contribuir também para esta mudança de mindset e de comportamentos, promovendo a proatividade e prevenção perante a nossa saúde mental.

Por outro lado, pretendemos promover melhores ambientes e condições de trabalho, em conformidade com o ODS 10 (Trabalho Justo e Digno), ajudando as empresas a cuidar da saúde mental e bem-estar dos seus colaboradores.

 

Em 2025, como veem a Nevaro e a Holi? Previsões para o futuro?

A curto prazo pretendemos fechar a nossa primeira ronda de investimento, o que nos permitirá concretizar o nosso crescimento no mercado empresarial de workplace wellbeing. Planeamos consolidar-nos no mercado português, e depois expandir para os mercados britânicos, italiano, e nórdicos. A longo prazo, o nosso objetivo é expandir para a saúde mental clínica – onde começámos a trabalhar -, através da nossa solução Holi de saúde digital para complemento à terapêutica convencional. O nosso sonho é que por 2025 a saúde mental já não seja o elefante na sala, e que as pessoas e as empresas tomem uma maior consciência da sua importância, capacitando-se para gerirem da melhor forma a sua saúde mental.

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Fica atento/a, durantes os próximos meses vamos conversar com os restantes projetos vencedores do Santa Casa Challenge 2021, a Surgeon Mate Library e a BlaBlaBlue.

Tens um projeto em fase de desenvolvimento e validação da ideia, produto ou serviço e/ou do modelo de negócio? Então candidata-te ao programa de aceleração Rise for Impact! Procuramos empreendedores motivados, que promovam soluções inovadoras na resolução de problemas e necessidades sociais e ambientais, de acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, da ONU. Não deixes esta oportunidade escapar!

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Mulher de olhos fechados a sentir a brisa